Ela escolheu aquela criança para ser sua, pois havia algo em
seu semblante que a lembrava de sua trajetória de vida. O rosto sombrio e sem
vida daquele menina de 4 anos lhe trazia um certo conforto, um alivio, como se
ao decidir cuidar daquela criança estivesse pagando sua dívida com o universo e
trazendo equilíbrio de novo a sua vida.
O afeto veio aos poucos, ao decorrer dos anos, depois de
batalhas diárias demonstrando uma segurança que nem ela mesma tinha de que tudo
iria dar certo. Só havia incerteza caso conseguiria fazer aquela criança se desvencilhar
daquela expressão de terror em algum dia no futuro.
Um dia, estavam em um carro, em um estacionamento. A criança
fica inquieta ao reconhecer o motorista do carro que acabará de estacionar ao
lado. Um careca barbudo tatuado transparecendo um aspecto criminoso.
Ela já havia percebido que a menina ficava muito agitada
diante de pessoas de aparência intimidadora, como se estivesse pronta a se
defender ou a atacar.
Na mesma noite, invadem o apartamento, três criminosos,
sendo um deles o careca do estacionamento, e os outros dois não tinham mais de
onze anos. O alvo: a menina de olhos sombrios que agora já estava com uns cinco
ou seis anos. Mas o objetivo... ela se negava a acreditar, mas o objetivo
daqueles criminosos era um assassinato impiedoso.
Tentando proteger sua filha adotiva, percebeu que sua filha
adotiva estava preparada para aquele momento, já em posição de luta e pronta
pra se defender disse a mãe que fugisse. Menina de poucas palavras, a mãe
tentou argumentar que ficaria ali para defende-la, mas levou um golpe na cabeça e ao acordar via
marcas de luta e de sangue.
Atordoada desceu subiu as escadas para ver sua filha assassinando
de um modo horrendo as crianças criminosas que vieram mata-la.
Assassinato ou legitima defesa? Era o impasse que passava em
sua cabeça, legitima defesa, afinal vieram mata-la. Não, não, não foi. Foi
assassinato, pois houve um brilho no olhar da criança que ela nunca havia visto
antes. Minha filha? Filha de quem? De onde veio? Por que tinha seus medos?
Aquelas perguntas a consumiam. Mas ela sabia a resposta, só não queria
acreditar.
Lembrou-se do dia em que perdeu sua bebê de maneira trágica,
e do vazio que isso causou, e percebeu que aquela menina de olhos sombrios,
cujos olhos só haviam brilhado uma vez diante de algo tão horrendo e sangrento,
era o que preenchia tal vazio, e dava razão e equilíbrio a sua vida.
Não queria mais remexer no passado, e nem no que aconteceu
aquela noite. Era legitima defesa sim! E o brilho no olhar, foi por estar viva,
e apenas isso.
Mas os anos passam, e peças vão sendo colocadas juntas remontando
o passado sombrio daquela criança, agora com seus oito ou nove anos. Ela não
queria buscar a verdade, mas a verdade a perseguiu, até que estava escancarada
diante de seus olhos. A menina era criada para ser uma assassina. Doses massivas
de cenas de violência, privação de conforto, comida e sono, fizeram parte de
seu treinamento durante seus primeiros anos de vida. Recompensas só eram
alcançadas através de pequenos assassinatos. Animais, no começo. Habilidosa,
aprendeu a conseguir suas recompensas de maneira eficiente.
Como julgá-la? Monstro? Sem afeto! Com noções distorcidas de
certo e errado. Cabia a ela, dar uma segunda chance a essa menina, e agora
sabendo a verdade, canalizar seu sistema de recompensas e satisfação para algo
positivo. Tarefa árdua, que ela se sentia impelida a cumprir, sem opção de
recusar. Pois esta era a resposta para sua vida, estava ali para isso e nada
mais.
Estava decidido, se empenharia em reverter as sequelas
daquele inicio sombrio, e fazer com que um dia aquele brilho no olhar existisse
apenas por saber que ela a amava.







